segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Religiões - Afro-brasileiras


Candomblé
A África está na origem da religião dos orixás
A cosmovisão africana influencia os símbolos do candomblé, mas também o processo da escravidão e o transplante violento da religião nagô no Brasil estão refletidos na composição do candomblé.
O axé
A visão do mundo africana, centrada no eixo religioso da vida, faz com que todos os elementos, animados e inanimados, sejam imbuídos de uma força vital que promove a ação e é fonte de poder e eficácia. Essa força, chamada axé na língua nagô ou ioruba, permite acontecer o devir. É uma força inerente às realidades e torna possível o processo vital.
Juana Elbein dos Santos, uma grande estudiosa do candomblé, diz que o axé reside no sangue dos seres vivos e nas substâncias essenciais de cada ser, simples ou complexo, que compõe o mundo.
Os ritos de passagem, os ritos de casamentos, os ritos de nascimento e de iniciação transmitem o axé, sendo que esta força entra em contato com a pessoa e com os objetos sagrados.
No mundo africano, tudo é cheio de vida e está vivo. É uma vida, às vezes, ameaçada por forças que atemorizam, mas é também um mundo de espíritos que protegem e acompanham as pessoas. São raios e trovões ameaçadores, mas também chuva e rios que permitem a colheita e a comida. O grande mistério da vida é celebrado nos rituais do nascimento e do casamento.

Início de uma sessão do candomblé, saudando a pedra sagrada
O Deus supremo e os orixás
O Deus supremo e uma infinidade de seres intermediários garantem a unidade e o dinamismo da vida africana. Olorum, o Deus supremo, pode entrar em contacto com os humanos através dos orixás ou divindades intermediárias. Estes últimos são forças, axé, energia vital provinda de antepassados excepcionais. Incorporando-se em pessoas, recebem devoção e respeito, mas também fornecem proteção e força.
A pessoa humana e a comunidade
O africano é um "ser com" e "vive com". Fora da comunidade, sente-se isolado, ameaçado, desamparado e perdido. Tem sempre uma necessidade de manter ligações com membros de sua família, clã e o grupo social menor. No interior do clã, que é uma unidade de vida, vivos e defuntos convivem numa simbiose coletiva. Também os defuntos continuam como parte integrante da vida, estabelecendo uma solidariedade de destino com os vivos sobre esta terra.
A pessoa africana encontra sua força vital, seu sentido, seu potencial de ser enquanto se encontra unido a outros, visíveis e invisíveis. Fora da comunidade é só confusão e morte.
Os ideais de vida
Os princípios éticos dos africanos estão enraizados em conceitos chaves como vida, solidariedade clânica, força e harmonia.
A vida é um bem que deve ser preservado e defendido, procurado e intensificado. Comunicar a vida é a expressão ética fundamental. A mulher-mãe é valorizada e a sexualidade protegida porque se inscrevem no imperativo de transmitir vida. A morte, mesmo que recuperada num nível superior, representa uma diminuição de vida e, como tal, traz sofrimento e carência de energia vital.
A solidariedade clânica representa o princípio de identificação e de existência. Fora do clã continua subsistindo a ausência de leis normativas e a confusão. Há perda de referência e desintegração do indivíduo. É como se um ramo fosse cortado da árvore que o alimenta: seca e torna-se ineficaz.
A força, também física, é procurada como valor indispensável. Maior força indica maior possibilidade de sobreviver em contextos muitas vezes difíceis, como a floresta e a ameaça dos animais ferozes.
Também a harmonia é um bem a ser preservado. O equilíbrio clânico e o uso harmônico da força fazem do africano um ser potencialmente capaz de se tornar um ancestral e, como tal, respeitado e símbolo de uma existência realizada.
O transplante violento dos africanos para o Brasil
O candomblé é sim revelador de matrizes culturais africanas, mas também guarda no seu íntimo o trauma do transplante violento do escravo africano e de suas religiões para o Brasil.
A escravatura dos negros representa a chave de interpretação da sobrevivência e da proliferação das religiões africanas no Brasil. Fala-se de 3,6 milhões de negros trazidos, à força, como escravos para o Brasil.
Eles provinham de diferentes países africanos e de diferentes tradições religiosas. Nos portos da África, os negros eram reunidos na espera da chegada de um navio negreiro. Amontoados como animais, eram selecionados e misturados.
Chegando ao Brasil, os negros eram vendidos nos mercados de escravos e, depois, levados a diferentes locais de trabalho. As crueldades e a decomposição da humanidade eram associadas a fim de controlá-los como exclusiva força de trabalho.
Mesmo que em adversas situações, esmagadas pelo ingente peso da escravidão e não obstante a imposição formal do catolicismo, as referências às memórias passadas eram o único vínculo com uma humanidade que ainda subsistia. Sobretudo as tradições religiosas negras mantiveram-se às escondidas por 400 anos e, em muitos casos, reconstruídas dentro de novos contextos e circunstâncias. Controladas pelo catolicismo dominante e misturadas com o catolicismo popular de matriz lusitana, as peças mantiveram-se mimetizadas e resistentes.
Os terreiros foram os espaços vitais para recriar os espaços simbólicos e a manutenção da vida tradicional. Na Nigéria e em Daomé, os orixás eram cultuados em cidades ou num país inteiro; no Brasil, o espaço de recriação cultual concentrou-se nas unidades dos terreiros. Nesses espaços sagrados foi simbolicamente concentrada a totalidade do mundo africano. E foi assim que, por muito tempo, as religiões africanas adaptaram-se, recriaram-se e sobreviveram no contexto brasileiro.
1.º O grupo religioso do candomblé
Foi especialmente nos terreiros que se mantiveram vivos os sistemas culturais herdados.
Terreiros
Os terreiros são comunidades de vida em que a cosmovisão africana mantém-se presente e viva, em que a reconstrução familiar-clânica continua subsistindo e em que a vida comunitária revela os traços culturais dos africanos.
Todos os membros encontram-se unidos na mesma fé, protegidos pelos orixás, submissos a uma autoridade religiosa e espiritual e em que uma solidariedade econômica-religiosa fundamenta a co-responsabilidade do trabalho.
A autoridade espiritual e moral está concentrada nas mãos dos "pais" ou "mães de santo", chamados também de "babalorixás"ou"ialorixás". O nome "mãe" e "pai" significa que os adeptos aceitam uma segunda educação pelas mãos de pessoas significativas em suas vidas.
Cabe aos chefes do terreiro presidir as cerimônias religiosas, receber os convidados, raspar a cabeça dos iniciados, supervisionar os ritos e apontar os novos iniciados.
A estrutura do candomblé inclui duas categorias de pessoas: os iniciados propriamente ditos e os titulares, de pessoas executivas e honoríficas. Os primeiros percorrem todo o processo formal de iniciação, do aspirante ao superior religioso do terreiro. O segundo grupo é representado pelos "ogãs", pessoas que exercem um cargo executivo e honorífico no candomblé e que contribuem para solucionar problemas jurídicos, formam um corpo seleto de prestígio.
Os terreiros contemplam uma certa autonomia, mesmo que haja um relacionamento entre eles. A autonomia é fonte de prestígio e, muitas vezes, também de conflitos e tensões entre os babalorixás. Sendo uma realidade relativamente autônoma, a interdição do incesto regula as relações entre os membros; visto que todos participam do mesmo axé, a interdição sexual entre os membros da mesma família é constitutiva e normativa.
2.º A cosmovisão do candomblé
O mundo dos orixás representa uma vasta cosmologia, em que personagens históricas e mitos querem contar a estrutura imaginária da religião nagô. Damos sucintamente uma descrição, lembrando que é ao redor desses intermediários que se joga toda a estrutura ritual dessa religião.
Algumas observações são importantes na compreensão da cosmovisão iorubá. Antes de tudo, vários autores assinalam a coincidência extraordinária entre os caracteres típicos dos orixás e a personalidade dos adeptos. O orixá fogoso ou calmo está associado ao tipo humano com comportamento fogoso ou calmo e assim por diante.
Muitos orixás estão associados, também, a santos católicos. A realidade dessa combinação vem dos tempos da escravidão, quando a religião oficial católica impôs um verniz formal religioso sobre as religiões africanas. Externamente, os negros praticavam o catolicismo, mas, internamente, reviviam os mitos africanos.

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