O Estilo é o Homem
Aquele que, por tanto tempo, figurou no mundo científico e religioso sob o pseudônimo de Allan Kardec, chamava-se Rivail e morreu aos 65 anos.
O registro das testemunhas do óbito, ocorreu:
— “Ao primeiro de abril de 1869, às dez horas e meia da manha”.
Informaram que Rivail faleceu:
— “Ontem... em seu domicílio em Paris, na rua Ste. Anne, nº 59”. A certidão ressalta o que todos sabemos: Allan Kardec retorna ao plano espiritual, numa quarta-feira, dia 31 de março do ano de 1869, fulminado, como citam seus biógrafos, pela ruptura de um aneurisma".
Vimo-lo deitado num simples colchão, no meio daquela sala das sessões que há longos anos presidia.
Vimo-lo com o rosto calmo, como se extinguem aqueles a quem a morte não surpreende, e que, tranquilo quanto ao resultado de uma vida vivida honesta e laboriosamente, deixam como que um reflexo da pureza de sua alma sobre esse corpo que abandonam à matéria.
Resignados pela fé numa vida melhor e pela convicção da imortalidade da alma, numerosos discípulos foram dar um último olhar a esses lábios descorados que, ainda ontem, lhes falava a linguagem da Terra. Mas já tinham a consolação do além-túmulo.
O Espírito de Allan Kardec viera dizer como tinha sido o seu desprendimento, quais as suas impressões primeiras, quais de seus predecessores na morte tinham vindo ajudar sua alma a desprender-se da matéria.
Se “O Estilo é o Homem”, os que conheceram Allan Kardec vivo só podiam comover-se com a autenticidade dessa comunicação espírita.
A morte de Allan Kardec é notável por uma coincidência estranha.
— A Sociedade formada por esse grande vulgarizador do Espiritismo acabava de chegar ao fim:
O local abandonado,
Os móveis desaparecidos,
Nada mais restava de um passado que devia renascer sobre bases novas.
Ao fim da última sessão, o presidente tinha feito suas despedidas; cumprida a sua missão, ele se retirava da luta diária para se consagrar inteiramente ao estudo da Filosofia Espiritualista.
Outros, mais jovens - os valentes - deviam continuar a obra.
— E fortes na sua virilidade, impor a verdade pela convicção:
Que adianta contar detalhes da morte?
Que importa a maneira pela qual o instrumento se quebrou?
E porque consagrar uma linha a esses restos integrados no imenso movimento das moléculas?
Allan Kardec morreu na sua hora.
Com ele, fechou-se o prólogo de uma religião vivaz que, irradiando cada dia, em breve terá iluminado a Humanidade.
— Ninguém melhor que Allan Kardec poderia levar a bom termo essa obra de propaganda, à qual era preciso:
A paciência que ensina continuamente,
Sacrificar as longas vigílias que nutrem o espírito,
A abnegação que desafia a tolice do presente para só ver a radiação do futuro.
Por suas obras, Allan Kardec terá fundado o dogma pressentido pelas mais antigas sociedades.
Seu nome, estimado como o de um homem de bem, é desde muito tempo vulgarizado pelos que crêem e pelos que temem.
— É difícil realizar o bem sem chocar os interesses estabelecidos:
O Espiritismo destrói muitos abusos;
Também reergue muitas consciências doloridas,
Dando-lhes a convicção da prova e a consolação do futuro.
Hoje os espíritas choram o amigo que os deixa, porque o nosso entendimento, demasiado material, por assim dizer, não se pode dobrar a essa idéia da passagem.
Mas, pago o primeiro tributo à inferioridade do nosso organismo, o pensador ergue a cabeça, e para esse mundo invisível, que sente existir além do túmulo, estende a mão ao amigo que se foi, convencido de que seu Espírito nos protege sempre.
O Presidente da Sociedade de Paris morreu, mas o número dos adeptos cresce dia a dia, e os valentes, cujo respeito pelo mestre os deixava em segundo plano, não hesitarão em se afirmar, para o bem da grande causa.
Esta morte, que o vulgo deixará passar indiferente, é um grande fato na história da Humanidade.
Este não é apenas o sepulcro de um homem.
É a pedra tumular enchendo o vazio imenso que o Materialismo havia cavado sob os nossos pés, e sobre o qual o Espiritismo espalha as flores da esperança.
Pagès de Noyez - Le Journal Paris - 3/4/1869.
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